O homem com barba - História persa
Recontado por Giliane Ingratta Góes
 
Um homem vivia, solitário, num deserto. Um bando de pássaros que voava em direção ao mar pousou perto da entrada da caverna onde o homem, sentado numa pedra, penteava com gestos lentos sua longa barba.
 
Os pássaros, que seguiam o mesmo caminho há anos, saudaram o homem. Um deles perguntou:
- Então, você continua aí?
- Continuo - respondeu o homem, passando compenetradamente o pente de madeira pela barba salpicada de fios prateados.
- E, diga-me, encontrou a resposta?
- Resposta a quê?
- À pergunta que você se fazia.
- Não - disse o homem -, não encontrei a resposta.
- Qual era mesmo a pergunta? - perguntou outro pássaro.
 
O homem, após um suspiro de cansaço, mas no fundo morrendo de vontade de falar de si, começou a contar:
 
- Eu morava na cidade e minha vida era, me parece, bastante normal. Trabalhava, tinha uma mulher e alguns filhos. Não tinha muitos amigos, reconheço. Um dia, sem que eu saiba por quê, nasceu em mim um violento desejo de comer berinjelas. A vontade de comer berinjelas não me deixava, nem de dia, nem de noite. Trabalhava pensando em berinjelas, dormia sonhando com berinjelas, acordava com uma vontade louca de comer berinjelas. Tentava pensar em outra coisa, na família, em tâmaras, em charutos de uva. De nada adiantava. O pior, é que eu sentia que se comesse berinjelas, uma grande desgraça cairia sobre mim.
 
Os pássaros ouviam com atenção. O vento quente do deserto agitava silenciosamente suas penas. O homem falava enquanto afagava a barba.
 
- Finalmente, aconteceu. Minha mãe, pensando me agradar, me serviu um prato de berinjelas. O cheiro era irresistível. Nem tinha terminado a primeira berinjela quando bateram na porta. Dois homens entraram, carregando o corpo do meu primogênito. Ele tinha sido assassinado.
 
O homem calou-se por um momento. Parecia dominado pela dor. Com sua mão porém continuava acariciando a barba. Os pássaros aguardavam, com respeito por seu sofrimento.
 
- Então - concluiu ele -, decidi que passaria o resto da vida tentando descobrir a relação entre o fato de comer berinjelas e a morte de meu filho. Abandonei tudo. No deserto encontrei essa gruta e, desde então, procuro a resposta para essa pergunta.
- E não encontrou nada? Perguntou outro pássaro.
- Nada.
 
De repente, um dos pássaros começou a rir em alto e bom som.
- Por que está rindo? Perguntou o homem, surpreso.
- Eu rio porque acabo de entender o por quê.
- O por quê do quê?
- Por que você não encontra a resposta.
- E por que não encontro a resposta?
- Porque não pensa na sua pergunta.
- Eu? - disse o homem, indignado. - Mas só faço pensar nela!
- Errado - disse-lhe o pássaro. - Você só pensa na sua barba.
 
A observação alcançou o homem com a força da evidência. Parou de pentear a barba. Seu rosto, um instante iluminado pela revelação, foi se tornando sombrio. A raiva nele estampada estava crescendo. Então, dominado pela mais impiedosa das fúrias, que é a fúria contra si mesmo, ele começou a arrancar sua barba gritando:
 
- É isso! Antes, eu só pensava em berinjela e esses anos todos só pensava na minha barba! Mas agora acabou! Vou arrancar esta barba maldita! Vou jogá-la longe! Não vou deixar nem um fio! Logo não terei mais barba nenhuma!
De repente o riso do pássaro ressoou outra vez.
O homem se deteve um instante para perguntar:
- Por que está rindo, agora?
O pássaro respondeu, sacudindo as asas:
- Por que estou rindo? Porque é ainda na sua barba que está pensando!
E os pássaros levantaram vôo, rumo ao mar.