O eremita e a ratinha - História da Índia
Recontado por Giliane Ingratta Góes
 
Treinada por anos de solidão e ascese, a mente de um eremita adquiriu um poder incomparável.
 
Um dia, ele meditava com as mãos abertas viradas para o céu. Um abutre que passava bem acima dele deixou cair numa de suas mãos uma ratinha cinza. O eremita contemplou-a com um encanto ingênuo. O animalzinho pôs-se a correr sem medo pelos braços do ancião, pelos ombros e até na cabeça, enquanto ele pensava:
 
- É uma ratinha que o Céu me envia como companhia. Devo interpretar os desejos do Céu. Como estou idoso demais para ter uma esposa, com certeza é uma filha que acaba de cair em minhas mãos. Essa ratinha vai tornar-se minha filha.
 
Reunindo todos os poderes de sua mente, pronunciou palavras às quais a própria matéria não resiste, e a ratinha transformou-se numa jovem linda, que beijou os pés do eremita e imediatamente o chamou "meu pai".
 
Ela cuidava dele com carinho e dedicação. O ancião alegrava-se ao vê-la ir e vir, carregando água, cuidando do fogo, preparando a comida. Ela também penteava o cabelo e limpava as unhas do velho pai.
 
Dois anos se passaram. O eremita percebeu sinais de melancolia no rosto da jovem. Deu-se conta de que era tempo de encontrar-lhe um marido. Obviamente, não poderia ser um esposo comum. Ele refletiu e disse:
 
- Chegou o tempo de você se casar.
 
Os olhos da moça brilharam, seu rosto se iluminou.
 
- Quem posso lhe dar como marido? O sol? Gostaria de se casar com o sol?
 
A jovem desviou o olhar do sol e respondeu com um muxoxo:
 
- O sol fica longe, é quente demais e desaparece toda noite. Não, quero um esposo mais forte que ele!
 
- Mais forte que o sol? Retrucou o eremita, intrigado. Está bem. Você quer se casar com uma nuvem? A nuvem esconde o sol.
 
- A nuvem é cinza, fria e úmida, ponderou a jovem com desagrado. Às vezes, o raio a rasga com um estrondo que me dá medo. Não, quero um marido mais forte que a nuvem.
 
- Então, só vejo o vento, arriscou o ancião, pois o vento dispersa as nuvens e empurra-as para longe. Gostaria de se casar com o vento?
 
- Não, disse a jovem, não gosto do vento. Ele pode ser brutal e indiscreto. Está sempre fugindo, não se pode confiar nele. Quero um esposo mais forte que o vento.
 
- A montanha! propôs então o eremita. A montanha é mais forte que o vento, pois é capaz de barrá-lo. Vou casar você com a montanha!
 
A jovem, com ar desanimado, disse ao pai:
 
- A montanha é pesada e imóvel. Ela é triste. Quero um esposo que me compreenda, que possa rir e correr comigo. Desejo um marido mais forte que a montanha.
 
Apesar de toda sua sabedoria, o eremita não sabia mais o que propor. Lembrou de outro eremita que vivia não muito longe, no mesmo deserto. Resolveu pedir sua ajuda.
 
Após ouvir o dilema e meditar profundamente, o conselheiro afirmou:
 
- Só vejo uma coisa mais forte que a montanha.
 
-O quê? Por favor, me diga o que é!
 
- É o camundongo, respondeu, pois ele consegue cavar galerias na montanha e viver dela, sem que a montanha possa lhe fazer mal.
 
O eremita agradeceu. Quando chegou de volta à gruta onde vivia, era noite. Encontrou a jovem adormecida, um leve sorriso nos lábios. Provavelmente sonhava com seu futuro esposo. O pai ainda observou por um momento a luz da lua que acariciava seu rosto. Depois, entrou em meditação. Reuniu as forças de sua mente e pronunciou as palavras indispensáveis.
 
Sem que percebesse, a jovem voltou a ser uma ratinha cinza, que se pôs a correr pela areia e sobre as rochas. A natureza providenciou-lhe um companheiro: um ratinho cinza como ela.
 
Eles levaram sua vida de ratinhos bem perto do eremita, cuidando de suas crias que, de vez em quando, os abutres vinham caçar.