A saia biblioteca
Esse objeto inusitado nasceu do desdobrar de um perfeito fluxo do Zuvuya (sobre o Zuvuya, ver a apresentação Surfista e Tecelã - confiando na inteligência do coração).
No início da já famosa pandemia de 2020, algum amigo inspirado me mandou, por e.mail, o pdf da obra de Eduardo Galeano, O Livro dos Abraços. Naquele momento em que abraçar era proscrito, recebi com alento os abraços do senhor Galeano e, de pronto, comecei a leitura. A quarta história foi um choque, no bom sentido. No título, A paixão de dizer/1, ecoava minha paixão de coletora de contos de sabedoria; o conteúdo, quanto a ele, exigiu uma concretização imediata. Deixo o leitor pressentir a urgência do convite: Marcela esteve nas neves do Norte. Em Oslo, uma noite, conheceu uma mulher que canta e conta. Entre canção e canção, essa mulher conta boas histórias, e as conta espiando papeizinhos, como quem lê a sorte de soslaio. Essa mulher de Oslo veste uma saia imensa, toda cheia de bolsinhos. Dos bolsos vai tirando papeizinhos, um por um, e em cada papelzinho há uma boa história para ser contada, uma história de fundação e fundamento, e em cada história há gente que quer tornar a viver por arte de bruxaria. E assim ela vai ressuscitando os esquecidos e os mortos; e das profundidades desta saia vão brotando as andanças e os amores do bicho humano, que vai vivendo, que dizendo vai. Os panos necessários à confecção da saia aguardavam no armário. Haviam se juntado ao longo dos anos. Em arquivos digitais, os contos de sabedoria esperavam, eles também reunidos ao longo dos anos. Comecei imediatamente a confecção da saia, costurando à mão, como gosto de fazer. Os bolsos, aos poucos, vieram cobrir a saia: 53 ao total. Portanto, selecionei 53 contos de sabedoria, 50 de tradições diversas, 3 escritos por mim, sendo o primeiro uma expressão do encontro mágico entre coincidências e inspiração. Surfar no Zuvuya A vida é um fluxo e, assim como rios e oceanos, ela é tecida por inúmeras correntes. Algumas dessas correntes têm a ver, mais que outras, comigo, com a minha história, o meu caminho. Quando estou atenta, cada uma dessas ondas fala comigo, me toca, acende dentro de mim uma faísca. Então me deixo arrebatar e os acontecimentos carregados por aquela onda me levam, um após o outro, a uma maior realização de mim mesma. Os contos escritos em panos costurados à mão encontrarão, um a um, seu lugar nos 53 bolsos, para fazer desta saia uma saia-biblioteca. |