Ho´oponopono
 
O Ho´oponopono integra o processo de cura praticado tradicionalmente no Havaí pelos Kahunas, ou "guardiões do segredo". Os membros de uma família onde se encontrava uma pessoa doente recorriam a esse processo de reconciliação e perdão mediado por uma ou um Kahuna.
A prática foi mantida oculta depois da chegada no Havaí dos europeus e americanos, entre os quais missionários protestantes.
 
O Ho´oponopono foi adaptado e divulgado principalmente por Morrnah Simeona (1913-1992) e um dos seus alunos, o psiquiatra Dr. Hew Len, conhecido por seu trabalho num hospital psiquiátrico do seu país onde passou quatro anos praticando exclusivamente essa técnica, com resultados espantosos.
 
Os doentes mentais internados, que eram criminosos, violentos e bastante desequilibrados, voltavam em alguns meses a uma vida normal. O Dr. Len explica que não fazia nenhum trabalho com eles: "apenas fazia a limpeza em mim mesmo. Eu não curei essas pessoas. Eu curei a parte de mim que as criou".
 
Partindo do princípio que no universo tudo é expressão da Fonte Única e que tudo é ligado, o Dr. Len considera que seres cujos caminhos se cruzam possuem memórias compartilhadas. Essas memórias, esses dados armazenados, tendem a tomar o comando dos sentimentos, pensamentos, crenças e ações do indivíduo.
 
Ele considera também que cada indivíduo é inteiramente responsável por tudo que cruza o seu caminho. Cabe então a ele limpar em si os dados armazenados relacionados a cada situação, para voltar a encontrar o vazio dentro de si (o zero, na terminologia usada pelo Dr. Len) que lhe permitirá receber informações diretamente da Fonte. Essa limpeza é feita repetindo frases aparentemente simples:
 
"Fulano, dentro de mim,
sinto muito,
perdoa-me,
eu te amo,
eu te perdôo,
te agradeço."
 
O mesmo princípio de limpeza é encontrado em outras tradições, como na meditação por exemplo. Lao Tsé disse: "Para sermos conhecedores precisamos de constantes informações, mas para sermos sábios precisamos liberar essas informações constantemente".
 
A partir das colocações do Dr. Len, concebi um exercício de representação simbólica que me foi inspirado pelas imagens refletidas nas paredes de uma vasilha. Vamos imaginar que cada ser humano é representado por uma bola lisa metalizada suspensa no ar. Muitas outras bolas estão suspensas à sua volta e cada uma reflete as outras. A particularidade de cada uma das bolas se expressa nas cores e nos desenhos que cobrem sua superfície, bem como no estado de sua constituição interna, nos seus sentimentos, emoções, pensamentos e nas ondas produzidas por todos esses elementos.
 
É fácil enxergar as imagens refletidas na superfície das bolas, imagens carregadas pelas ondas, ou partículas, de luz. Vamos supor, para nosso exercício de imaginação, que essas imagens refletidas deixam impressões duráveis que impregnam as bolas. Por seu lado, as ondas emitidas pela constituição interna, sentimentos, emoções e pensamentos de cada bola também vão impregnar as outras bolas. Podemos dizer que essas impregnações correspondem à presença em uma bola de todas aquelas que estão refletidas nela. Isto é, portanto, uma maneira de entender a presença em cada ser de todos os seres que cruzam seu caminho.
 
Um outro raciocínio pode ser o seguinte: se eu sou uma expressão da Fonte e se o ser que está em relação comigo também é, posso assumir que é a Fonte em mim que se dirige à Fonte presente nele.
 
Para praticar o Ho´oponopono precisei encontrar um sentido naquelas frases aparentemente simples.
 
Passei muitos anos brigando com a Fonte pelas imperfeições do mundo. Reconhecendo a existência dos ciclos, reconhecia a inevitabilidade da morte física. Também aceitava a existência da dor, mas não podia aceitar a maldade. Acabei percebendo então que eu poderia fazer Ho´oponopono para a própria Fonte, ajustando apenas a segunda frase para expressar minha confiança no amor primordial. Uso as seguintes frases:
 
"Fonte dentro de mim,
sinto muito,
Você me perdoa,
eu Te amo,
eu Te perdôo,
Te agradeço."
 
É evidente que a Fonte não precisa do meu perdão, mas para mim é vital poder perdoá-la.
 
Há ainda um contexto em que as frases do Ho´oponopono fazem muito sentido para mim. Trata-se da concepção hindu do tempo de vida de uma Humanidade que se insere num período chamado Manvantara, por sua vez dividido em quatro idades ou Yugas. Como para os hindus o tempo é cíclico, pode-se conceber uma sucessão de humanidades (essa idéia é retomada, e confirmada, no livro A História Secreta da Raça Humana).
 
Segundo o arquétipo do Ovo do Mundo, considero que há, no início de uma Humanidade, um potencial de manifestação, um "reservatório" de possibilidades a serem manifestadas. Nesse banco de dados primordial luz e sombra, yin e yang, etc., estão em equilíbrio já que a manifestação é baseada na polaridade. Já, ao longo da manifestação, os dois princípios coexistem em proporções variadas nos seres.
 
À medida que o tempo passa e que a Humanidade se afasta da Fonte, a expressão da luz diminui enquanto a expressão da sombra aumenta. Como se a luz ficasse encoberta por um véu de esquecimento cada vez mais denso.
 
Para ter uma idéia dessa relação entre sombra e luz, se usarmos o número de irmãos dos 2 clãs que se enfrentam na epopéia o Mahabharata - escrito para os seres humanos que vivem no Kali Yuga -, temos 100 Kauravas a serviço da sombra e 5 Pandavas a serviço da luz. Podemos então imaginar as seguintes relações:
 
Primeiro Yuga ou Satya Yuga: luz=100 e sombra=5
Segundo Yuga ou Treta Yuga: luz=70 e sombra=35
Terceiro Yuga ou Dwapara Yuga: luz=35 e sombra=70
Quarto Yuga ou Kali Yuga: luz=5 e sombra=100
 
A maioria dos interpretes das escrituras hindus acredita que estamos atualmente no Kali Yuga, para alguns outros estaríamos no Dwapara Yuga. Estejamos num ou noutro Yuga, a lógica apresentada acima nos leva a concluir que uma quantidade bastante grande de seres deve estar a serviço da expressão da sombra, para que o banco de dados primordial seja, na sua hora, devidamente esgotado.
 
Isso imprime um sentido notável às frases do Ho´oponopono, pois o ser que está agindo expressando a sombra, às vezes de maneira extrema, pode estar me poupando dessa tarefa. Ao repetir, de maneira a promover uma limpeza profunda:
 
"Fulano, dentro de mim,
sinto muito,
perdoa-me,
eu te amo,
eu te perdôo,
te agradeço,"
 
compartilho a responsabilidade pela expressão dessa sombra e espero que aquele ser poderá se ver livre de repetir o mesmo tipo de ação.
 
Essa perspectiva é contrária à idéia de progresso contínuo ou linear, noção que muitos filósofos modernos também contestam, apoiando-se em considerações diversas. A história, mesmo convencional, registra o desaparecimento de muitas civilizações, e o aparecimento de outras.
 
Me parece importante notar que se o movimento cíclico se apresenta como uma lei da natureza, a diversidade é outra lei igualmente relevante, o que justifica a coexistência de diferentes visões do mundo e a diversidade de perguntas e respostas a seu respeito.