Jejum, uma nova terapia?
Transcrição resumida do documentário

 
A expectativa de vida aumenta nos países ocidentais, mas infelizmente as condições da vida moderna provocam doenças, as chamadas "doenças de civilização". Diabetes, hipertensão, obesidade, câncer, o número de doenças explode, o do consumo de remédios também. Regularmente, os efeitos secundários de certos remédios são objetos de escândalos, gerando desconfiança. Quem sabe haja outra via terapêutica? Um método antigo, louvado pelas religiões, muito tempo ignorado pela ciência: o jejum.
 
Há meio século, na Rússia, na Alemanha e nos Estados Unidos, médicos e biólogos exploram essa pista.
Há uma experiência única, no coração da Rússia, nas planícies da Sibéria. No sanatório de Goryachinsk, na margem do lago Baikal, o jejum se tornou um elemento central da política de saúde pública desde 1995. Essa política se apóia em 40 anos de estudos científicos realizados na ex-União Soviética, com milhares de doentes. Esses estudos que permitiram criar um método rigoroso são completamente desconhecidos no Ocidente. Muitas vezes, as pessoas que vão jejuar em Goryachinsk já foram hospitalizadas, fizeram os melhores exames clínicos, sem resultados.
A adesão do paciente é essencial para o sucesso do tratamento e este é tranqüilizado quando chega ao sanatório. De fato, ninguém sabe como seu corpo vai reagir à privação de alimentos.
 
O tratamento é de uma simplicidade bíblica: beber água, água e mais água, durante 12 dias em média. Certos jejuns podem durar 3 semanas, segundo a gravidade e o tempo da doença. Nos casos de doenças crônicas, a medicação é interrompida em dois ou três dias. Todos os pacientes ficam sob acompanhamento médico, esse ponto é essencial.
Durante o jejum, não há falta preocupante de elementos nutritivos. Observa-se uma baixa da taxa de vitamina C, D, E, e outros componentes do metabolismo, mas essas baixas não são críticas.
 
Em 15 anos, 10.000 pacientes fizeram um tratamento com jejum neste lugar. Seus prontuários são conservados num arquivo. Alguns vieram por problemas de diabetes, asma, hipertensão, reumatismos, alergias. Quase dois terços deles viram seus sintomas desaparecerem depois de um ou mais tratamentos
Todos afirmam que o mais difícil não é se privar de comida, a sensação de fome desaparece após 2 ou 3 dias, o momento delicado é o que chamam aqui de crise de acidose, por volta do terceiro dia, que se traduz às vezes por uma sensação de fraqueza, náuseas ou enxaquecas. O corpo precisa aprender a se adaptar a essa mudança radical: viver de suas reservas.
Segundo os médicos russos, essa crise marca uma etapa essencial no processo de cura. Análises de urina determinam o pico e a duração desse aumento da taxa de acidez no sangue. Durante a crise, que marca uma profunda mudança no corpo, todas as doenças pioram.
 
Mas como será que o organismo pode fornecer o combustível necessário à sua sobrevida?
 
O corpo dispõe de 3 combustíveis: a glicose, os lipídios e as proteínas. O combustível essencial é a glicose. O corpo precisa absolutamente dela para funcionar. O cérebro não pode ficar sem. Mas depois de um dia de jejum, o estoque de glicose se esgotou.
Depressa, o corpo vai fabricar glicose a partir de proteínas, usando principalmente os músculos. Ele também vai usar suas reservas de lipídios, as gorduras, para criar um substituto de glicose. Esse combustível do jejum se chama "corpos cetônicos". Agora, são esses corpos cetônicos que vão, principalmente, alimentar o cérebro. A operação ocorre no fígado, verdadeira usina de transformação do organismo.
 
Após a crise, o corpo encontra, portanto, um novo equilíbrio. Vários cuidados ajudam a suportar melhor o jejum. Lavagens intestinais, compressas de corpo inteiro, saunas, massagens. Os médicos russos aconselham 2 a 3 horas de exercícios físicos por dia.
 
Tudo converge para um mesmo objetivo: estimular os órgãos de eliminação. Rins, intestinos, fígado, pulmões, pele são solicitados. Tem que ajudar o corpo a eliminar os resíduos do metabolismo.
 
Mas se o corpo se adapta, nem sempre a cabeça segue no mesmo ritmo. Os pacientes o constataram: o psiquismo influencia o organismo, a ponto de fazer com que ele acredite em necessidades que ele não tem mais. Não é o estômago que reclama por comida, é a cabeça!
Quando essa fome psíquica desaparece, os sentidos se aguçam e certa euforia aparece, com uma sensação de leveza e de liberdade. Quem pode jejuar, pode tudo, diz uma paciente!
 
Para entender como o jejum funciona voltemos 60 anos atrás, numa época em que a União Soviética era fechada sobre si e os pesquisadores não tinham contato com o Ocidente. Em Moscou, no hospital Korsakov, a camisa de força química substitui a camisa de força de pano. O tratamento é apenas mais humano. Um dia, confrontado a um paciente que se recusa a comer, um psiquiatra, Yuri Nikolaev, decide deixar agir no instinto do doente. Nos seus registros, o psiquiatra anota com surpresa: a partir do 5º dia, seu negativismo começou a diminuir, o doente abriu os olhos. No 10º dia ele se pôs a andar, mas continuava calado. No 15º dia tomou um copo de suco de maçã deixado no seu criado mudo, depois foi dar um passeio e começou a voltar à vida social. O homem acaba recobrando a saúde. Um doente mental curado por um jejum: o caso era único.
 
O Dr. Nikolaev continuou testando esse recurso, desenvolvendo-o. O sucesso ultrapassa as previsões, a lista de espera dos pacientes cresce. Nikolaev trata esquizofrenias, depressões, fobias, síndromes de obsessão, com uma duração média do jejum de 25 a 30 dias, às vezes até 40.
O filho de Nikolaev relembra a oposição cada vez mais forte do mundo médico. Os médicos se opunham ao jejum, pois não entendiam sua essência. As pessoas costumam pensar que o fato de ter fome é uma desgraça. É difícil aceitar a idéia que o jejum possa tratar, e é mais difícil ainda para um médico do que para uma pessoa comum.
 
Nikolaev empreendeu um vasto programa de pesquisa. Exames fisiológicos, bioquímicos, parâmetros hormonais, traçados de eletroencefalogramas são estudados durante e depois do jejum em centenas de casos. Os psiquiatras estabelecem correspondências entre as mudanças ocorridas no corpo durante o jejum e a melhora do doente. O jejum tem um impacto não somente nas doenças mentais, mas também em toda personalidade.
 
O jovem doutor Gurvitch fez parte, naquela época, da equipe de pesquisadores. Ele trabalha a 18 anos ao lado do mestre. Ele explica que o jejum tem um efeito estimulante e um efeito antidepressivo. O efeito estimulante ocorre durante a primeira semana do jejum, e o efeito antidepressivo no momento da realimentação. O terceiro tipo de efeito é o efeito sedativo, calmante. É observado após a crise de acidose.
 
Nikolaev trata 8.000 pacientes com o jejum, com um progresso nítido para 70% deles. Seis anos mais tarde, 47% mantinham essa melhora. Alguns podiam retomar uma vida social. Fundar uma família.
Ele e sua equipe notam que não somente o psiquismo dos pacientes melhorou com o jejum, mas suas doenças somáticas também: hipertensão, poliartrite, asma, eczema. Ele interpela os poderes públicos. O Ministério da Saúde, cético, lança então uma campanha de verificação desses resultados. Estamos em 1973. Para isso, designa vários médicos conceituados, entre eles o Prof. Kokosov e o Prof. Maximov que não conheciam nada ao jejum.
 
Os médicos tinham dois objetivos: verificar se o método funcionava e explicar por quê. Para isso, tiveram que estudar a secreção do estômago, do fígado, do pâncreas, do intestino, a paisagem bacteriana, o status da imunidade, a mudança dos minerais e das vitaminas. Multiplicaram os trabalhos com milhares de pacientes e confirmaram os resultados de Nikolaev. Eles estabeleceram listas precisas de indicações e contraindicações para o tratamento pelo jejum.
Indicações: patologias dos brônquios, patologias cardiovasculares, patologia do estômago, do intestino, patologias endócrinas, patologias digestivas, patologias articulares, ósseas, patologias da pele.
Contraindicações: câncer, tuberculose, diabetes tipo 1, hepatite crônica, tromboflebite, anorexia...
[as contraindicações agruparam inclusive doenças que não puderam ser testadas efetivamente, como o câncer].
 
O Pr. Kokosov explica os efeitos do jejum. O jejum provoca um estado de estresse, que acorda no corpo os mecanismos de sanogênese, de autorregulação, que normalmente permanecem passivos por causa do modo de vida moderno. Confrontado com a privação de alimentos, o organismo aciona o alarme, o que provoca uma revolução hormonal e neuroendócrina. Certos hormônios mobilizam as reservas do corpo. Alguns têm também um efeito antiinflamatório. Para os médicos russos, são esses mecanismos de autorregulação que induzem os efeitos terapêuticos do jejum. Assim, muitos parâmetros sanguíneos melhoram: glicemia, colesterol, triglicérides, taxa de insulina.
Paralelamente, o gasto de energia do organismo diminui aos poucos: respiração, ritmo cardíaco, pressão arterial, tudo baixa e fica mais lento. O sistema digestivo também é posto para descansar.
 
O professor Osinine é especialista em asma brônquica. Aluno de Kokosov, o pneumologista fez jejuar perto de 10.000 pacientes asmáticos. Quarenta anos de prática, nenhum acidente. Osinine acompanhou a evolução das células da mucosa do pulmão. Células pretas que aparecem nas imagens revelam a presença de histamina. É ela que provoca uma hipersecreção e, portanto, espasmos brônquicos. Após 12 dias de jejum, não há mais histamina, as células se encheram de lipídios. Os espasmos desapareceram. Esses dados são únicos, pois a pergunta nunca foi formulada dessa maneira, portanto não existem equivalentes no mundo. A asma brônquica é uma doença crônica. Ela não pode, segunda a medicina oficial, ser curada, somente ser contida. Muitos doentes estão condenados aos inaladores ou aos tratamentos que aliviam provisoriamente seu estado. Os trabalhos de Osinine mostram que se pode escapar dessa fatalidade. O pneumologista analisou os efeitos no longo prazo. O estudo se baseia em quase 1000 pacientes. Após 7 anos, a melhora perdura para quase 50% dos doentes, aqueles que adotaram, após o jejum, bons hábitos alimentares. Às vezes, vários tratamentos foram necessários. 10 a 15% são totalmente curados.
 
Dos 4 cantos da União Soviética, os dados experimentais se acumularam com uma ambição: inscrever o jejum numa política de saúde pública. A Academia de Ciências validou os resultados e os agrupou em imponentes arquivos, nunca traduzidos. Apesar da amplitude desses trabalhos, sem equivalente no mundo, a riqueza das descrições clínicas e o número de doenças estudadas, alguns pontos ainda precisavam de explicações: como definir o que foi chamado de sanogênese e como são disparados seus mecanismos.
 
Na Alemanha, 15 a 20% da população declaram ter jejuado. O mais antigo centro de jejum foi criado nas margens do lago de Constança, há quase 60 anos. Como nas margens do lago Baikal, a palavra de ordem é: eliminar! A fama da Clínica Buchinger ultrapassou as fronteiras, 2000 pessoas se hospedem aqui a cada ano. Vem-se aqui para aliviar doenças crônicas, mas também como prevenção e para combater fatores de risco como a hipertensão, o diabetes ou a obesidade.
O banqueiro Jürgen Bahl, para poder fazer negócios nos países do Leste europeu, bebeu vodka e comeu comida gordurosa por vários anos. Seu fígado tinha aumentado 7 cm e seus exames de sangue eram muito ruins. Seu clínico geral falou: ou você muda de atividade, ou você jejua. Ele pensou que não seria capaz de jejuar, mas tentou. Desde o primeiro tratamento, o fígado do Sr Bahl voltou a seu tamanho certo. Seus exames de sangue voltaram à normalidade. Desde então, ele controla sua alimentação e volta todo ano a Überlingen.
 
Na clínica Buchinger, o jejum é um pouco menos radical do que na Rússia. Uma sopa leve ou um suco de fruta são servidos duas vezes ao dia. Essas 250 calorias diárias suavizam a crise de acidose e tornam os primeiros dias mais fáceis.
O médico militar Otto Buchinger, que criou o centro, era acometido por reumatismos articulares agudos e foi condenado à cadeira de rodas pelos médicos em 1918. Ele se curou graças a 2 jejuns sucessivos. Esse restabelecimento espetacular o levou a estudar as possibilidades terapêuticas do jejum e a criar um centro de tratamento que se tornou um centro de referência na Alemanha. Os tratamentos duram entre 1 e 3 semanas.
 
Pauline Valiquer vem pela segunda vez este ano na clínica Buchinger. Sofre de reumatismos graves e chegou a pensar que não conseguiria mais se mexer. Ele decidiu jejuar 12 dias. Chegou completamente esgotada de dores e de medicamentos. E o jejum, ao contrário do que se poderia pensar, em vez de esgotá-la ainda mais, lhe deu a impressão de que, ao se purificar completamente, seu corpo encontrou a força necessária para reagir, para se curar. Ela parou de tomar remédios.
Segundo a gravidade da doença e sua duração, parar com os remédios nem sempre é possível, mas o jejum permite diminuí-los, como em certos casos de artrite psoriática muito adiantada ou de poliartrite reumatóide.
 
A quebra do jejum é um momento crucial, comer qualquer coisa e em quantidade comprometeria o sucesso do tratamento e poderia até ser bastante perigoso. O corpo deve se re-acostumar lentamente aos alimentos. O período de realimentação é, portanto, bastante acompanhado, tanto na Alemanha quanto na Rússia.
 
A Dra. Françoise Wilhelmi de Toledo, diretora da Clínica Buchinger, gostaria que se pudesse incentivar um mercado da saúde, do qual o jejum seria um dos pilares. Hoje temos um mercado da doença extraordinariamente lucrativo. Principalmente das doenças que se tornam crônicas. Fazer do jejum um pilar do mercado da saúde, seria se opor ao domínio da química sobre a doença.
 
Na Alemanha, no entanto, no maior hospital público europeu, um andar do prédio é reservado aos pacientes em tratamento pelo jejum. Uns dez hospitais públicos fazem o mesmo. Os tratamentos são reembolsados pelo sistema de seguridade social. Num desses hospitais quase 500 pacientes seguem o tratamento a cada ano, segundo o método Buchinger. Os pedidos são cada vez mais numerosos, o Serviço recusa pessoas por falta de lugar.
 
Sem conhecer as pesquisas russas, o Dr. Michalsen também mediu as modificações hormonais no corpo. Em muitos estudos com pacientes, ele constatou a presença de adrenalina, de noradrenalina, de dopamina, leptina, serotonina, ou seja, hormônios que regulam fortemente o metabolismo, mas que também influenciam o humor. Como os psiquiatras russos, Michalsen observou uma melhora do humor dos pacientes que jejuam. Ele também observou uma redução da dor e uma melhor sensibilidade dos receptores à insulina. Constatou igualmente que os jejuadores se mostravam mais dispostos a adotar, após o jejum, uma vida mais sadia, portanto favorável à manutenção da saúde.
Dr. Michalsen diz que se tivesse feito pesquisas sobre um novo remédio, e se tivesse obtido esses resultados, com certeza receberia todo dia um telefonema com propostas, apoios financeiros, dinheiro para a pesquisa.
 
Quando se trata de jejum, as pessoas se limitam a dizer que é interessante. É muito fácil para os detratores e os céticos dizerem que faltam estudos quando se sabe que nenhum apoio financeiro é dado, justamente, para realizar esses estudos. Precisaria de 2 ou 3 grandes e bons estudos, para o reumatismo, a artrite reumatóide, a diabetes e a hipertensão, por exemplo. Para isso, milhões são necessários.
O argumento maior dos detratores do jejum é que ele seria perigoso.
Afinal, o que se deve pensar a respeito?
 
É do estudo da fauna selvagem que virá a resposta. Yvon Le Maho estuda o pingüim-imperador que vive nas terras geladas do continente antártico. Essa ave estranha pratica o jejum de maneira espontânea. Quando choca o seu ovo, enquanto aguarda a volta da fêmea, o macho é capaz de ficar sem comer por volta de 4 meses. Teria ele mecanismos que o homem não tem?
Em Estrasburgo, no seu laboratório do CNRS, Yvon Le Maho reúne a literatura existente no Ocidente sobre o assunto, mas não encontra a resposta que ele procura. Nota, no entanto, um potencial perigo do jejum, pois ao se alimentar sobre seus próprios estoques, o organismo usa suas reservas de proteínas. Ora, as proteínas são os músculos, e o coração é um músculo. Quando a metade das proteínas desaparece, é a morte.
Yvon Le Maho e seus colegas vão medir a porcentagem de proteínas consumida pelo pingüim-imperador durante o período de suspensão da alimentação. Essa cifra é determinante para fixar os limites do jejum. O resultado é notável. Durante a maior parte do jejum, as proteínas fornecem a cada dia apenas 4% do gasto energético, 96% provêm dos lipídios. O organismo se adapta perfeitamente, ele economiza suas proteínas.
Portanto, o jejum pode ser dividido em 3 etapas. Na fase 1, o corpo esgota em 24 horas sua reserva de glicose, depois, ele fabrica glicose a partir de suas reservas protéicas. Na fase 2, ele economiza suas proteínas e usa em prioridade os lipídios. Essa fase pode durar muito tempo, segundo as reservas de gordura disponíveis. Para o pingüim-imperador, ela pode chegar a 100 dias, sem problema. Mas as reservas de lipídios se esgotam aos poucos. Quando 80% do estoque de gordura sumiu, as proteínas não são mais economizadas, o animal entra na fase 3, ele precisa se realimentar, antes que seja tarde demais.
Jean-Patrice Robin, que trabalha com Yvon Le Maho, verifica esse processo em laboratório com ratos, animais que não têm a fama de serem jejuadores profissionais. Os resultados são comparáveis aos do pingüim-imperador. Durante a fase 2, o rato economiza suas proteínas da mesma maneira. Um dos mecanismos fundamentais do jejum, que permite sobreviver muito tempo à privação de alimentos, é um mecanismo comum a várias espécies. Essa observação abre perspectivas inesperadas com conseqüências imensas.
Se esse mecanismo é comum, é que ele surgiu junto com os animais na Terra. Portanto, o jejum, em vez de ser algo perigoso, é uma adaptação que existiu desde os primeiros tempos da vida terrestre, e que, pelo menos nos limites definidos aqui, não apresenta perigo.
Trabalhos científicos mostraram que um homem adulto com 1,70, pesando 70 kg, tem em média 15 kg de reserva de gordura. O suficiente para agüentar, caso esteja com boa saúde, uns quarenta dias.
Do ponto de vista da evolução, é provável que a sobrevivência fosse acompanhada por períodos de jejum. A situação que temos hoje, com refeições regulares, geladeiras cheias, não é normal, historicamente falando. Assim, não é de se surpreender se o corpo encontra dificuldades quando não jejua, quando come o tempo todo. Nosso patrimônio genético parece menos adaptado a essa situação do que ao jejum, e mais bem equipado para suportar a carência de alimentos do que o excesso.
O jejum só reativaria reflexos atávicos ancorados na memória do corpo. Se essa hipótese for fundada, se a capacidade de jejuar for herdada de nossa evolução, ela deve poder ser observada no código genético, nossa memória está aí. Mas quem seria louco o bastante para procurar o que ninguém procura?
 
Valter Longo é um jovem pesquisador italiano que trabalha num laboratório da Universidade da Califórnia, em Los Angeles, no campo da gerontologia ou seja, com os mistérios do envelhecimento. Hoje ele é um biólogo de renome internacional. Como todos os gerontólogos, Valter Longo tem um objetivo: atrasar as doenças crônicas que aparecem com a idade, rechaçar a doença de alzheimer, refrear o câncer, em suma, retardar os efeitos do envelhecimento.
Pesquisadores mostraram que reduzir a alimentação de um animal permitia que ele vivesse mais tempo e com melhor saúde. Longo sabe disso. Um dia, ele resolve dar um passo decisivo: por que não passar à redução calórica extrema, ao jejum? Ele tem a intuição que o jejum poderia proteger o organismo de muitas toxinas. Ele vai testar um dos produtos mais tóxicos que existem: a quimioterapia, esse veneno destinado a destruir o câncer.
Ele pega ratinhos com câncer e os separa em 2 grupos. O primeiro grupo é alimentado normalmente, o segundo jejua por 48 horas. Primeiro, ele convenceu alguns jovens pesquisadores que isso não era uma idéia completamente louca, pois as pessoas pensam normalmente que se você priva alguém de alimentos, ele vai enfraquecer. É difícil também para os próprios médicos imaginar que você possa suprimir a alimentação de alguém e que ele se torne mais forte. Ele injeta nos ratinhos altas doses de quimioterapia, 3 a 5 vezes superiores àquelas autorizadas em humanos, doses que deveriam provocar efeitos devastadores. Os resultados mostram que os ratinhos que jejuaram estão vivos, eles se mexem normalmente, seu pelo é liso, seus tecidos não estão danificados, suas funções cognitivas parecem intatas. Entre aqueles que comeram normalmente apenas 35% sobreviveram. Eles estão em péssimo estado, ficam inertes na suas gaiolas. Exames aprofundados mostraram que seus corações e seus cérebros ficaram prejudicados. Longo pediu que a experiência fosse repetida em 2 laboratórios diferentes e os resultados foram exatamente os mesmos.
Logo após a publicação dos resultados numa revista científica, a imprensa se apropria deles. Os jornalistas divulgam que o jejum protegeria dos efeitos colaterais da quimioterapia. O Noris Hospital de Los Angeles, um dos maiores centros anti-câncer dos Estados Unidos, onde 200 ensaios terapêuticos são realizados todo ano, lança sem demora um novo ensaio com pacientes. A Dra. Tania Dorff é encarregada de sua supervisão. Como para aqueles que estão na linha de frente nessa batalha, ela têm consciência que novas estratégias são necessárias. De fato, as armas contra o câncer são muito destrutivas, elas atacam, de maneira indistinta, tudo que cresce e se divide. Mesmo dispondo de novas terapias, mais focadas, parece inteligente tentar proteger o organismo diminuindo os efeitos nas células sãs. Mas a prudência é indispensável. Poucas pessoas foram recrutadas num primeiro momento. Uma paciente jejuou 24 h, outras 48h. Não mais do que isso por enquanto. É preciso primeiro provar que o jejum não é perigoso para os doentes com câncer, pois essa abordagem revolucionária vai na contramão das recomendações oficiais que indicam, ao contrário, um aumento das calorias e das proteínas antes de cada sessão de quimioterapia. A experiência deve aos poucos alcançar um maior número de doentes. O dinheiro não falta. Fundos públicos e fundos privados chegam de monte. Com efeito, aqui o jejum não substitui os remédios. Pela diminuição dos efeitos colaterais, ele permitiria ao contrário aumentar as doses de quimioterapia.
Um médico do hospital aponta outras vantagens desse tratamento: ele é barato, fácil de ser implementado e potencialmente aplicável a um grande número de pacientes e, quem sabe, para todos os cânceres.
Uma juíza do Condado de Los Angeles, Nora Quinn, resolveu não esperar a conclusão do ensaio terapêutico. E não tem o perfil de uma maluca. Foi lendo um artigo do Los Angeles Times que descrevia os trabalhos de Longo que Nora Quinn tomou sua decisão. Tinha acabado de ser diagnosticada com câncer de mama. Num primeiro momento, sua oncologista mostrou abertura. Não a encorajou, mas falou: "Se quiser jejuar, vá em frente. Não penso que fará nenhuma diferença." Nora Quinn devia se submeter a 5 sessões de quimioterapia. Ela temia os efeitos colaterais, sobretudo os transtornos cognitivos, pois queria continuar trabalhando. Sob a supervisão de um amigo médico ela jejuou 5 dias antes da primeira quimioterapia. Ela se sentiu bem e pôde continuar a trabalhar. Para as 2 sessões seguintes sua oncologista a persuadiu de não jejuar. Ela suportou muito mal a quimioterapia, se sentiu tão mal que ela decidiu voltar a jejuar antes das 2 últimas sessões. De novo, ela se sentiu muito melhor. Ela não tem nenhuma dúvida que teve menos efeitos colaterais durante meu tratamento: ficou menos cansada e seus neurônios foram menos atingidos do que os de suas amigas que não haviam jejuado e que passaram pelos mesmos ciclos de quimioterapia.
 
O Noris Hospital conseguiu reunir 10 entre 30 pessoas que jejuaram espontaneamente, consultar seus prontuários e recuperar seus exames. Nora Quinn fez parte desse estudo cujos resultados confirmam aqueles observados nos ratinhos. O jejum tornou a quimioterapia mais suportável: fadiga, fraqueza, náuseas e enxaquecas foram consideravelmente reduzidas. Se o jejum proteje dos efeitos potencialmente devastadores da quimioterapia, como será que ele age sobre a própria químio? Será que ele a torna mais eficaz ou não? Antes de responder a essa pergunta crucial, é preciso entender por quais mecanismos o jejum proteja as células sadias. Será que o jejum provoca uma mudança na expressão dos genes?
 
Longo seleciona células de fígado, de coração, de músculo e desdobra seu fio de DNA. Aparecem os genes. Esses genes dirigem o trabalho da célula. Sua expressão é normal. Após 2 dias de jejum, Longo constata uma mudança radical na expressão dos genes: alguns estão sobre-expressos, outros sub-expressos. Os genes modificam as funções das células, estas se colocam em modo de proteção. Mudança total, muito rápida, como se essa capacidade proviesse de uma memória muito antiga. As células normais tendo aprendido todas as lições de 3 bilhões de anos de evolução se colocam em modo de proteção. Elas precisam fazer isso porque há pouca glicose, pouca comida, elas precisam se proteger, na medida do possível. E a quimioterapia é uma das coisas contra as quais elas precisam estar protegidas. As células se protegem, portanto, por um reflexo atávico. Yvon Le Maho, o especialista do pingüim-imperador, tinha nos colocado na pista. Mas se o jejum protege as células sadias, será que não protege também as células cancerosas? Se assim for, toda a demonstração de Longo cai por terra.
Comparemos, portanto, uma célula cancerosa com uma célula sadia. Após dois dias de jejum, os genes da célula cancerosa expressam-se de maneira oposta aos da célula sadia. As células cancerosas sofreram uma mutação genética, elas perderam a memória da evolução. Os mecanismos de proteção não entram em ação. As células cancerosas detestam esse meio onde há pouco açúcar, poucos fatores de crescimento, portanto, não somente elas não estão protegidas, mas elas se tornam mais sensíveis à quimioterapia. Elas podem morrer, ou pelo menos o seu crescimento se torna mais lento. Portanto, o jejum pode diminuir seu crescimento, mesmo sem quimioterapia. Para as células cancerosas, o jejum é um pesadelo.
Recentemente, Longo lançou um desafio aos dirigentes de uma das mais importantes companhias farmacêuticas do mundo: criar um coquetel de medicamentos cujos efeitos seriam mais potentes do que o jejum.
 
Epílogo: Será que estamos prontos para pensar o mundo de outra maneira? E se o consumo não fosse mais o totem de nossa economia? E se a falta não fosse mais vivida como um fracasso? Essas experiências na Rússia, Alemanha e Estados Unidos nos convidam a repensar as dificuldades de nosso modelo de saúde, que parece tantas vezes um mercado da doença, e a miragem de uma expansão sem limites, sendo que nossa evolução nos desenhou para resistir à falta. Parece que já temos condições de colocar nossa mente de ponta cabeça.
 
Observação: O livro Le jeûne, une nouvelle thérapie retoma os assuntos apresentados no documentário com mais detalhes e com um histórico da medicina nos Estados Unidos.