Condensado do documentário: Coronavirus : O mistério das origens, apresentado por France 2 - France Télévisions no programa Envoyé spécial Edição do 11 de março de 2021.
 
Em jogo: uma pesquisa de laboratório, o ganho de função, que corresponde a procurar por um vazamento de gás com um isqueiro.
 
Eis o cenário que por muito tempo foi proposto para explicar a origem da epidemia de Covid-19: ela teria surgido num mercado, em pleno centro de Wuhan, onde animais exóticos ficam lado a lado com os compradores, numa grande promiscuidade. Cientistas encontraram traço do vírus no mercado de frutos do mar e depois em um pangolim. Esse mamífero com escamas teria transmitido o vírus ao homem. Hoje essas teses foram ultrapassadas.
 
George Gao, virologista chinês afirma: "Após um ano de busca não encontramos nenhum animal portador do vírus nesse mercado. Portanto, ele pode ter sido um amplificador da epidemia, mas não a origem direta. E o vírus encontrado nos pangolins é completamente diferente do coronavírus de hoje."
 
Portanto, as origens da pandemia permanecem misteriosas. Duas hipóteses são hoje seriamente estudadas. A 1ª: o vírus teria sido transmitido ao humano por um animal. A 2ª: teria havido um acidente de laboratório. O Centro de Virologia de Wuhan (um laboratório P4) está no centro das suspeitas. Sabe-se que os cientistas de Wuhan realizam, há muito tempo, manipulações genéticas de coronavírus.
 
Muito tempo considerada como complotista, a tese do acidente é hoje examinada por vários pesquisadores, pois ela poderia explicar por que a epidemia partiu de Wuhan, na China. Uma cientista indiana comenta: "Sabemos que o vírus vem de um morcego, mas os morcegos vivem no sul da China, no Yunnan. São mais de mil quilômetros de Wuhan, onde a epidemia começou. Sabemos também que em Wuhan há 3 laboratórios que fazem experiências sobre os coronavírus de morcego."
 
Essa teoria é firmemente rejeitada pela China. Após um ano de negociações, porém, as autoridades chinesas finalmente aceitaram a vinda de uma equipe de inquérito da Organização Mundial da Saúde em Wuhan, em janeiro 2021. Mas os especialistas, acompanhados o tempo todo pela polícia, tiveram apenas um acesso limitado ao laboratório de Wuhan. Mesmo assim, no fim de sua missão, a OMS anunciou que abandonava a pista do laboratório. Para muitos cientistas as conclusões da OMS são incredíveis e não há nenhuma razão para afastar essa opção.
 
Por seu lado, uma equipe de televisão francesa foi, em vários países, ao encontro desses pesquisadores que exploram a pista de um vírus perigoso escapado do laboratório de Wuhan.
 
Antes da epidemia de Covid-19, Wuhan, megalópole de 11 milhões de habitantes, era conhecida pelos cientistas pelas suas pesquisas muito avançadas sobre vírus. São três laboratórios: um laboratório P4, de altíssima segurança, onde são estudados vírus mortais como Ebola, dois de nível P3, com segurança menor, que se encontram no centro da cidade, próximos ao mercado de animais. É neles que são manipulados os coronavírus. Uma família de vírus responsável por doenças respiratórias.
 
A diretora adjunta desse centro de virologia, Shi Zhengli, é mundialmente conhecida por suas pesquisas sobre os vírus de morcegos. Dra. Shi Zhengli: "Descobrimos que os morcegos são um reservatório de muitos patógenos: adenovírus, filovírus e coronavírus. Esses resultados são essenciais para a prevenção e o controle das futuras novas epidemias."
 
A dra. Shi Zhengli não aceitou ser entrevistada pela equipe francesa.
 
Em fevereiro 2020, ela faz uma revelação estupenda. Na prestigiosa revista Nature ela afirma ter encontrado nas suas amostras um vírus com uma proximidade de 96% do coronavírus responsável pela pandemia. Ele se chama RaTG13. Os pesquisadores se perguntam: desde quando esse vírus estava guardado no laboratório de Wuhan? Será que o RaTG13 poderia ter um papel na atual epidemia?
 
Na França, no CRNS de Marselha, os virologistas Bruno Canard, Etienne Decroly e sua equipe investigam as origens do coronavírus. Há um ano, eles analisam a estrutura do vírus nos seus menores detalhes. Segundo eles, o laboratório de Wuhan está retendo informações. Falta o acesso aos cadernos de laboratório e aos bancos de dados.
 
Como muitos centros de pesquisa, o Instituto de Virologia de Wuhan tem um banco de dados, uma base de dados que lista os diferentes vírus coletados e analisados no laboratório, onde foram coletados e quando. É Shi Zhengli que o montou para compartilhar suas descobertas com os cientistas do mundo inteiro. Mas 3 meses antes do início da pandemia o acesso a essa base de dados foi suprimido, sem explicações. Isso alimenta a idéia de um envolvimento desse laboratório de Wuhan.
 
Quando Shi Zhengli revela a existência do RaTG13, ela não explica em qual contexto ela o descobriu. No entanto, um evento chamou a atenção dos cientistas. Sabe-se que em abril de 2012, seis mineiros foram limpar uma antiga mina de cobre abandonada que devia ser reativada. Ela fica a 1.500 km de Wuhan, na província do Yunnan, no sudoeste da China. O lugar é povoado por morcegos e há muitos dejetos. Os homens passam 2 semanas limpando as galerias. Alguns dias depois os 6 mineiros são admitidos em urgência no hospital. Todos apresentam os sintomas de uma pneumonia grave. Alguns estão com insuficiência respiratória aguda. Três deles morrem após algumas semanas.
 
Shi Zhengli é mandada no Yunnan para coletar amostras na mina abandonada. É lá que, em 2013, ela descobre o RaTG13, um novo coronavírus até então desconhecido, mas ela não fala desse vírus no início da epidemia, em dezembro 2019. E assim os pesquisadores não puderam perceber imediatamente que a identidade genética do Sars-Cov-2 de 2020 correspondia a algo que já havia sido descrito muito tempo antes.
 
Quando Shi Zhengli é entrevistada por um jornal científico sobre a história dos mineiros de Yunnan, ela afirma que eles não foram contaminados por um coronavírus, mas por um fungo que teria penetrado em seus pulmões. Essa versão deixa muitos cientistas céticos.
 
Na Índia, uma microbiologista renomada encontrou um documento que contradiz essa versão dos fatos. Ela é especialista em novas doenças e desde o início da epidemia na China, ela analisa muitos dados científicos sobre a origem do vírus. Ela faz parte de um grupo de pesquisadores independentes que investigam o surgimento do coronavírus. DRASTIC reúne uns 20 cientistas internacionais: virologistas, médicos, mas também hackers que recuperam dados na internet. Faz um ano que um desses hackers rastreia qualquer pista sobre o TaTG13: "O documento mais importante que descobrimos é esta Tese. Uma tese redigida por um estudante chinês em 2013 sobre a estranha pneumonia dos mineiros do Yunnan. Ela revela o diagnóstico dado por um dos pneumologistas mais respeitados da China. Os doentes tiveram uma consulta com o Dr. Zhong Nanshan. Para ele, a hipótese mais provável é uma pneumonia causada por um vírus. Nesta tese vê-se também que os mineiros tinham no sangue marcadores característicos de uma inflamação. É típico de uma doença ligada a um vírus. Os marcadores eram muito altos em todos os pacientes. Os sintomas dos mineiros lembram os que conhecemos hoje com a Covid-19. A tese também contém raio-X dos pulmões dos mineiros. Todos os especialistas que viram esses raio-X disseram que essas imagens parecem muito com os pulmões dos pacientes com Covid. Os sintomas e as complicações são os mesmos. Os médicos também encontraram um sinal importante nas amostras de sangue dos mineiros. Quatro entre eles apresentavam anticorpos de coronavírus do tipo Sars. Isso reforça a hipótese deles terem contraído uma pneumonia viral em 2013.
 
Várias equipes de televisão tentaram chegar ao local da mina. Foram barradas por aldeões antes de chegar à mina.
 
A equipe de televisão francesa adotou outra estratégia, pedindo a colaboração de uma chinesa que fala perfeitamente o dialeto local e de um cinegrafista que conhece bem a região. Fingiram ser um casal passeando. Um camponês, numa vila próxima à mina, explica que esta foi fechada pelo governo. Há câmeras de vigilância nas redondezas e pessoas que tentaram se aproximar foram presas.
 
No laboratório de Wuhan, Shi Zhengli é especialista em manipulações genéticas de vírus. Em 2015, com uma equipe de pesquisadores americanos, ela conseguiu criar um vírus mutante: um coronavírus de morcego, inofensivo inicialmente, foi combinado ao SARS, mortal para o homem. Manipular um vírus para torná-lo contagioso para o humano é uma técnica científica chamada "ganho de função".
 
Para os cientistas, o objetivo desses trabalhos é "estar um passo à frente", ou seja, poder preparar uma vacina para enfrentar o caso em que um vírus de animais selvagens mutar perigosamente e vier a ameaçar o homem. É a explicação apresentada por Shi Zhengli numa de suas raras entrevistas na televisão oficial chinesa. Esses últimos anos, a cientista chinesa manipulou um grande número de vírus, para tentar torná-los mais agressivos para o homem.
 
Ela realizou essas experiências em conjunto com o virologista americano Ralph Baric, outro especialista dos coronavírus. É ele que criou a técnica do ganho de função nos EUA, há uns 20 anos atrás.
 
Ralph Baric nunca respondeu às numerosas solicitações da equipe francesa de televisão para uma entrevista. Porém, no verão passado, ele falou com jornalistas de uma radio Italiana dos experimentos realizados com Shi Zhengli, no laboratório de Wuhan. Ralph Baric: "Nos estoques do laboratório havia muitas seqüências de vírus de morcegos, vírus respiratórios do tipo SARS. Nessa enorme massa de vírus, você pode imaginar que certas cepas podem infectar células humanas. Portanto, a questão que se coloca para nós, cientistas, é: se emergir uma nova cepa será que ela poderia provocar uma nova epidemia, ou deveria ela passar por vários estágios de mutação? Se o objetivo do cientista for antecipar e se preparar para a próxima pandemia, se ele quiser diagnosticar as mutações de um vírus e os riscos que este representa para a população humana, o ganho de função é a melhor experiência para se fazer."
 
Para tornar um vírus contagioso para o homem, sendo que ele não o é inicialmente, Ralph Baric e Shi Zhengli utilizam uma técnica de ponta. Para entendê-la é preciso voltar a noções fundamentais, ou seja, como um vírus infecta um humano.
 
Em volta o vírus há a chamada proteína Spike, espécie de chave que virá se inserir numa fechadura: o receptor da célula humana. É a proteína Spike que permite ao vírus entrar em nossas células e nos contaminar. O objetivo dos trabalhos de Ralph Baric e Shi Zhengli é justamente esse: modificar essa proteína para ela se inserir o melhor possível nas células humanas.
 
Faz um ano que todos os cientistas investigam a proteína Spike do coronavírus. E todos ficaram igualmente surpresos: ela é particularmente adaptada para infectar o humano. Por enquanto, ninguém entende por quê.
 
Na Austrália, uma equipe de pesquisadores que trabalham sobre uma vacina contra o Covid-19, fez uma descoberta surpreendente. Pr. Nikolaï Petrovsky: "Modelizamos o vírus para poder desenvolver uma vacina. Começamos pela hipótese de que o vírus devia ser melhor adaptado ao animal no qual passou o maior tempo, pois os vírus se adaptam ao seu meio. Portanto, se ele vier de um gato, por exemplo, o vírus será muito adaptado para infectar os gatos. Se vier de um morcego, ele infectará muito facilmente um morcego. Portanto avaliamos vários animais para verificar com qual espécie o coronavírus combinava melhor. Ficamos extremamente surpresos ao ver que o vírus parecia perfeitamente moldado para o homem. O homem vinha bem na frente de todas as espécies estudadas. Não era de jeito nenhum o que a gente esperava. Ficamos realmente chocados.
 
Etienne Decroly, do CNRS de Marselha, identificou uma particularidade até então desconhecida numa proteína Spike de coronavírus. Ao entrar em contato com a célula humana, a Spike se cinde de tal maneira que ela permite ao vírus se difundir muito mais facilmente no corpo humano. Isto se chama sítio de clivagem da furina. Segundo o cientista, é por causa dessa inserção que estamos numa epidemia que se tornou uma pandemia enquanto que, se esse sítio não estivesse presente, esse vírus teria provavelmente circulado discretamente nas populações, mas sem provocar uma epidemia mundial.
 
A presença desse sítio furina, tendo em vista os trabalhos de Ralph Baric e Shi Zhengli, alimenta as suspeitas dos pesquisadores quanto à hipótese de um vírus fabricado em laboratório. Para o cientista australiano "quando você olha todos os fatos juntos é impossível não se colocar a pergunta: será que tudo isso não é o resultado de um experimento feito em laboratório? Adoraria que essa pista fosse completamente improvável, mas mais você olha e mais você pensa que seria irresponsável dizer que é impossível. É impossível eliminar essa pista."
 
Para muitos virologistas, como Bruno Canard, esse tipo de manipulação apresenta um risco grande demais, mesmo quando empreendida com a melhor intenção do mundo. Segundo esse cientista, procurar vírus na natureza e fazer ganho de função para entender como as coisas funcionam é como procurar por um vazamento de gás com um isqueiro.
 
Para evitar vazamentos de um laboratório de pesquisa, os cientistas devem trabalhar em locais de alta segurança, de nível P3 ou P4. Um estabelecimento de nível P3, em Lyon, na França, mostrou à equipe de televisão francesa os procedimentos de segurança praticados para evitar 2 grandes riscos: a contaminação dos cientistas e um vazamento do vírus por gotículas no ar ambiente.
 
Em Wuhan, o laboratório P3 deve respeitar os mesmos protocolos que o laboratório de Lyon. No P4, as regras são ainda mais severas. Os manipuladores devem usar um escafandro onde respiram ar filtrado.
 
O ano passado, no entanto, após visitar o laboratório de Wuhan onde trabalha Shi Zhengli e sua equipe, o Washington Post apontou "um nível de segurança insuficiente em um laboratório que efetua estudos de alto risco sobre os coronavírus de morcegos." (1)
 
Enquanto isso, os pesquisadores do mundo inteiro continuam aguardando respostas para suas muitas perguntas.
 
(1) Um laboratório de pesquisa em vírus, germes e doenças infecciosas foi fechado nos Estados Unidos devido à preocupações com o descarte de materiais biologicamente perigosos. A unidade teve suas operações interrompidas definitivamente devido à ausência de protocolos suficientes de descontaminação, com um fechamento que deve durar, pelo menos, alguns meses. O centro de pesquisa fica em Fort Detrick, no estado americano de Maryland, e pertence ao exército dos Estados Unidos. https://canaltech.com.br/saude/problemas-de-seguranca-fecham-laboratorio-de-doencas-nos-eua-146199/
 

Fonte: https://www.francetvinfo.fr/sante/maladie/coronavirus/video-coronavirus-le-mystere-des-origines_4328629.html